O Povo onde ninguém podia morrer.

Meu trabalho como jornalista requer que eu viaje constantemente. Uma parte desse trabalho consiste em publicar uma coluna com mitos e lendas de povoados pequenos. Não se trata de um trabalho objetivo no mundo do jornalismo, mas o sinto muito. Ou ao menos assim era até que me deparei com um povo chamado Madero Argento. Como versava o mito, a ninguém se permitia morrer nesse local. Fiz isso muito antes de existir Google Maps. Para chegar ao povo tive que confiar nas instruções que me forneceu a fonte. Algo dentro de mim me dizia que se tratava de uma brincadeira, mas a coluna no jornal tratava precisamente disso: verificar ou refutar a informação. Preparei tudo para o viagem e, após várias horas dirigindo, encontrei-me em um caminho oculto, sujo e sem manutenção. Depois de mais de três horas avançando por essa rota, encontrei um velho letreiro de madeira, a primeira sinalização de civilização. Madero Argento. Retorne agora, lia-se. À distância, observei o que parecia uma antiga comunidade de lavração. Era um povo pequeno com construções escassas que luciam deterioradas, assim como tratores e caminhões completamente oxidados e abandonados. A simple vista parecia um povo fantasma. Estacionei o carro à beira da estrada e me dispus a declarar o mito uma estafa autêntica. No entanto, ouvi que alguém me falava. Por que você veio?, espetou uma voz fraca. Immediatamente busquei o origem da voz. Era um idoso de aparência frágil que se apoiava sobre um bastão. Estava completamente calvo e não tinha um único dente na boca. Quem é você?, perguntei. Em meio a uma situação ligeramente incómoda, decidi apresentar-me. Por que está aqui?, respondeu. Lhe mencionei que era um caçador de mitos e lendas e cheguei até esse local graças às indicações fornecidas por uma fonte anônima. O homem soltou um suspiro. A ignorância é uma bênção, mas já que você veio... terá o que veio buscar Me perdi de que o idoso tinha a perna quebrada. A arrastava enquanto cambaleava com muita dificuldade. Mas o mais estranho era sua pele, coberta por aranhas que pareciam recentes. “Você está bem?”, perguntei com certo nervosismo. Simplesmente ignorou a pergunta e fez gestos para que eu o seguisse. “Você vive sozinho nesse lugar?” “Não, há outras pessoas”. No chão observei um pássaro com o peito desgarrado e os órgãos expostos. Aparentemente lhe tirou a vida uma puta ou cão. No entanto, aquele animal tentou se mover apesar de suas graves feridas. “O pássaro está... está...”, tentei dizer-lhe. O idoso observou o animal com desdém. “Aqui está proibido morrer. Não permite que nada morra”, respondeu. Segui-o até a entrada de uma casa antiga. Assim que traversei o marco da porta principal, um fedor a carne podrida atacou minhas fossas nasais. Casa abandonada Uma dúzia de pessoas, com diversos tipos de mutilação, estavam espalhadas na sala. No entanto, continuavam respirando. Viviam com feridas que teriam matado qualquer ser humano. Demostrou-se a veracidade do mito, embora eu não pudesse crer. “Devemos solicitar ajuda!”, disse enquanto observava um homem cujos ossos da mão sustentavam alguns colgados de pele. “Isso apenas empeoraria a situação”, respondeu o idoso. Saí o telefone completamente disposto a ligar para emergências. No entanto, nesse lugar remoto não tinha uma só barra de sinal para solicitar ajuda. “Sente-se, vamos conversar”. Completamente abalado por o que via, não consegui encontrar as palavras para formular um argumento coerente. “Você veio conhecer a história de Madero Argento e vou te contar”, disse o idoso. Me sentei e observei todas aquelas pessoas sofrendo nesse lugar. A maioria tinha feridas tão terríveis que nem mesmo lhes permitiam falar, e se limitavam a emitir gemidos de agonia no lugar onde estavam sentadas. Cada ferida parecia recente, como se as tivessem feito aquele “ mesmo dia. “Desde a fundação deste povo em 1911, nos desempenhamos como uma típica comunidade agrícola. Um pequeno povo que não é de muito interesse para os visitantes. A maioria nascemos e crescemos neste lugar, por isso essas estranhas ocasiões em que alguém nos visitava se armava um revuelo. Era motivo de celebração”. O homem parou um instante para observar sua perna quebrada. “Então, em 1956, um homem chegou a Madero Argento. A bordo de um carro de luxo e vestido com roupas finas, contrastava demais com o modesto estilo do nosso povo. Disse que não vinha fazer negócios e muito menos estabelecer-se na região. Simplesmente queria viver um ano em nossa comunidade. Além disso, prometeu que quando sua visita terminasse nos obsequiaria algo que jamais esqueceríamos”. Apenas terminou de falar o idoso, ouvi alguns gritos fracos vindos do exterior. Eram terrivelmente roncos e transmitiam uma sensação indescritível de agonia. “Jamais disse muito. Limitou-se a observar-nos enquanto continuávamos com nossa rotina diária, e sempre estava pronto a ajudar. Mostrou-se como pessoa educada e servicial, por isso no transcurso de um mês já o considerávamos parte da comunidade. Mas, sempre vestia aquele maldito traje que parecia estranho aos elementos externos. Com chuva ou sob um calor terrível, o homem se mostrava tranquilo e lucia impecável”. Homem elegante caminhando Os gritos afuera se intensificaram. No meio de aquele suplício distinguí alguns rogados de piedade. “Depois, quando terminou seu ano em Madero Argento nos fez uma pergunta muito simples”. “Qual pergunta?”, disse eu. “Querem viver para sempre?”. Parou um instante e voltou a suspirar. Os gritos do fundo pareciam tentar chamar minha atenção, como se soubessem que estava ali. “No primeiro momento nos reímos da proposta. Embora a morte não fosse nossa inimiga, tampouco a queríamos perto. Depois de um debate extenso, o povo decidiu levar a resposta à votação. Já Podes ver o que escolhemos. Me aproximei à janela tentando descobrir a origem dos gritos. Queria sair correndo desse lugar, mas algo em meu interior me impedia. Sentia uma profunda lástima pela gente de Madero Argento e realmente pretendia ajudá-los. Então, viverás para sempre?. O anciano assentiu. Prometeu que nossos corpos se manteriam sempre jovens. Infelizmente, quando o passo do tempo deixou de nos afetar, perdemos a capacidade de sentir sede, fome e necessidade de dormir. Somos imunes às feridas, doenças ou destruição. Mas não podemos curar. Cada uma das lesões que sofremos, seja ela pequena ou grave, ficará conosco até o fim dos tempos. Essa é nossa maldição. O que acontece com a gente que grita?, perguntei. Suspirou novamente. Vêm do granero. É lá onde mantenemos as pessoas que querem sair. Sair? Para onde?, perguntei. Alguns acreditaram que podiam escapar da maldição. Destruíram seus próprios corações e outros se esmagaram a cabeça. Estavam errados. Não podem morrer, não lhes permite fazer isso. Há algo que eu possa fazer para ajudar-te? Existe alguma forma de parar isso?, perguntei. Solteu uma carcajada. Não foi uma risa alegre, mas de malícia. Parar? ¡Nós não buscamos que pare!, disse. Há dez anos, o mesmo homem que nos maldisse regressou ao povoado. Não envelheceu um só dia e ainda mostrava aquela sonrisa alegre ao saudar. Nós ofereceu a mv3rt3, libertar nossas almas e salvá-nos dessa vida terrível. Por que não aceitaram?, perguntei. Se deteve e a sonrisa se esfumou do seu rosto. Porque nos contou o que acontece após a mv3rt3. E posso garantir que é um destino muito mais terrível ao qual estamos condenados.

2 comentários - O Povo onde ninguém podia morrer.

ent2014 +1
Aunque no tiene que ver con la temática de la página, es una historia excelente.